Em uma área relativamente afastada do Ibirapuera, próxima ao portão 5 do parque, funciona uma espécie de antítese dos templos da malhação que hoje abundam em São Paulo. Ao invés de ambiente fechado e asséptico com ar condicionado no talo, essa academia oferece espaço aberto, pernilongos e ar fresco. No lugar de caixas de som propagando música pop em altos brados, o que há é o canto ocasional de passarinhos. E, em vez de máquinas tão modernas que parecem fazer o exercício por você, que tal uma variada gama de rústicos equipamentos feitos com material reciclado?
Conhecida como "academia dos Flintstones" (referência ao desenho animado sobre uma família que vive na Idade da Pedra), o lugar tem público cativo e funciona praticamente sem ajuda do parque, que apenas libera o espaço. O responsável pela manutenção da academia, e pela criação e fabricação dos equipamentos, é Luiz Mandarino. Professor de educação física, ele apresenta o vasto repertório à disposição dos adeptos desse fitness "bronco". São barras para supino e diversos tipos de halteres feitos com latas, pedra, areia e borracha de pneus de bicicleta e kart, entre outros materiais. Mas o lado inventor de Luiz não para aí. Por exemplo: em suas mãos, uma barra, um bloco de concreto com um furo no meio e um cabo de aço transformam-se em um curioso aparelho para exercitar os membros superiores. O mesmo ocorre com os restos de um peso quebrado, adaptado para ser puxado em uma daquelas antigas barras para fazer exercícios do Ibirapuera.
"O parque aceita a gente aqui, mas não gosta muito porque não quer se responsabilizar se algo acontecer", explica Luiz. Na prática, explica, ele se refere ao temor do Ibirapuera em ser legalmente culpabilizado caso, digamos, um incauto termine esmagado debaixo de uma calota durante uma sessão de malhação. Afinal, tirando as manhãs, período em que normalmente Luiz fica de olho e orienta os presentes, não há oficialmente alguém tomando conta dos "alunos".
Frequentador da "academia dos Flintstones" há cerca de quatro anos, Renato Bairão garante que nunca presenciou um acidente mais sério ali. "Já vi sem noção que ficou dando pirueta na barra e terminou de cara no chão, mas aí não temos culpa", diz ele. Além disso, Renato conta que, fora um furto pontual ou outro, também não sabe de casos mais sérios envolvendo questões de segurança. "Você tem que ficar atento, até porque normalmente deixamos nossas coisas nas árvores aqui perto enquanto malhamos, mas durante todo esse tempo só soube de uma bicicleta e de um óculos roubados". Apesar da suposta distância entre a administração do parque e a academia, o local conta também com equipamentos fixos iguais aos encontrados em outras praças públicas da cidade, como os que simulam caminhadas.
Além da segurança, Luiz e Renato concordam também em relação ao perfil dos usuários. De manhã, costumam aparecer os chegados de Luiz, mais zelosos pela integridade da academia e seus equipamentos. À tarde, segundo Luiz, o local é frequentado principalmente pelo público gay, enquanto no período da noite, ainda de acordo com o professor, são os "marombeiros carrancudos" que dominam o pedaço. "Estes são os mais bagunceiros. Chego aqui de manhã e tem peso espalhado pra tudo quanto é canto", reclama.
Nos momentos de pico, a "academia dos Flintstones" chega a ter 40 pessoas malhando ao mesmo tempo, de acordo com Luiz (que preferiu não ser fotografado). Ele começou a montar o espaço há oito anos, quando sentiu falta de pesos para malhar enquanto corria e decidiu improvisar. Pegou aqueles troncos que servem para delimitar as trilhas no interior do parque e decidiu usá-los para se exercitar. Por incrível que pareça, muitos desses troncos, que chegam a pesar mais de 40 quilos (segundo Luiz), estão lá à disposição dos frequentadores até hoje. Renato conta, inclusive, que integrantes de um time de rugby costumam aparecer para a peculiar prática de jogá-los uns para os outros.
"Não imaginava que existia algo assim em São Paulo. Dá para fazer muita coisa diferente com os equipamentos que temos aqui", diz Raphael Martins, que começou a frequentar o local há pouco tempo. "E, se chover, a gente aproveita que está faltando água para já tomar banho aqui mesmo", brinca o frequentador.
E, se você acha que uma academia nesses moldes é coisa apenas para machos viris, engana-se. Com 77 anos, Alda Rocha interrompe sua série de exercícios em uma das engenhocas inventadas por Luiz para falar com a reportagem. "Eu chamo isso aqui de academia ecológica. Adoro. É muito melhor estar aqui, ao ar livre, do que dentro dessas academias convencionais", diz a ex-maratonista antes de partir para uma série com halteres.
Luiz segue coletando materiais no lixo e em caçambas. Ele também recebe doações, e mantém, ao pé de uma árvore ao lado da academia, um pequeno depósito com todo tipo de bugigangas que um dia poderão contribuir com a saúde de alguém. "Já vi muita gente chegar aqui mal e melhorar com o tempo", orgulha-se Luiz. Ele calcula que, ao longo dos anos, já gastou entre dois e três mil reais do próprio bolso com a "academia dos Flintstones". E o fez de muito bom grado. Só uma coisa o irrita, e muito: quem joga os halteres no chão durante os exercícios. "Eles quebram, são frágeis. Eu já coloquei placa pedindo para não fazerem isso, chamo a atenção educadamente quando vejo acontecer, mas…tem cara que quer briga, acredita?", indigna-se.
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